Para construir uma network produtiva, bloqueie pessoas tóxicas no Facebook
Recentemente passei por uma experiência muito instrutiva, que me abriu os olhos para a necessidade de retirar periodicamente as maçãs podres de nossa rede de contatos no Facebook e garantir, a nós mesmos e aos outros, um ecossistema saudável, estimulante e produtivo.
Decidi compartilhar a experiência porque, apesar de a solução ser simples e óbvia — bloquear a pessoa tóxica — sei que muitos, assim como eu, ainda preferem mentir para si mesmo e fingir que aquela pedrinha minúscula na sola sapato não está incomodando.
Ou não deveria incomodar.
Afinal, ora, são apenas comentários e reações antipáticas que despertam instintos desagradáveis quando acessamos nossa rede social. São pequenos aborrecimentos perfeitamente suportáveis que não deveriam prejudicar a nossa experiência online. No máximo, são interações inconvenientes que nos fazem lembrar de forma recorrente (em vez de nos fazer esquecer) da antipatia que passamos a desenvolver por aquela pessoa que, por algum motivo, optou por substituir a oportunidade de fortalecer vínculos criativos pela obsessão em aborrecer.
Networks são indispensáveis à vida profissional contemporânea. As redes de contatos enriquecem a vida social ao nos expor à diversidade de experiências pessoais, intelectuais, políticas e profissionais. Cultivar uma boa network reforça vínculos inspiradores, estimula a cooperação e cria oportunidades preciosas de parcerias em projetos em comum.
Em um ambiente de respeito e confiança mútua — virtude indispensável de uma network saudável — as divergências se tornam particularmente enriquecedoras: o encontro de diferentes visões e sobretudo o choque de interpretações antagônicas costumam revelar as lacunas e as contradições que não aparecem em um ambiente de consenso. E isso estimula a criatividade, a autocrítica e, por consequência, a inteligência.
Mas o que fazer quando a relação de network no Facebook deixa de ser uma troca produtiva e se degenera, única e exclusivamente, em pequenos e constantes aborrecimentos? O que fazer quando um contato acadêmico ou profissional, que no início parecia tão promissor, vai se transformando em uma experiência não apenas inútil, mas irritante e desagradável? Mantemos o contato, por polidez? Esperando, talvez, que um dia os interesses em comum reconstruam os vínculos?
Uma pessoa tóxica na minha network
Pois bem. Certa vez conheci um sujeito — antes de saber que se tratava de uma pessoa tóxica — em um evento científico. Muito simpático e prestativo, ele se integrou à dinâmica dos participantes e acabamos formando uma pequena comunidade com muito sintonia, pois compartilhávamos uma série de valores e interesses.
Como é de praxe, mesmo sem sermos propriamente amigos, todos nos adicionamos no Facebook… Ah, o Facebook…
Nas primeiras semanas, marcávamos uns aos outros nas fotografias do evento, curtíamos os posts e compartilhávamos informações que considerávamos úteis aos colegas. Aos poucos, alguns de nós nos tornamos realmente amigos, enquanto outros, por falta de afinidade duradoura, se distanciaram naturalmente, ainda que mantivesses o contato.
Mas perfil pessoal de Facebook, como sabemos, serve para muitos fins. Alguns gostam de compartilhar fotografias íntimas da família; outros preferem divulgar as conquistas profissionais; e muitos, como eu, têm o hábito de publicar opiniões pessoais sobre temas preferidos — no meu caso: cinema, literatura, arte e política.
Sempre me senti confortável com isso. Isso faz com que meus colegas, conhecidos e amigos — assim como meus alunos e ex-alunos — me conheçam melhor, a partir do que expresso em meu perfil pessoal. A relação fica transparente. Sobre as naturais divergências de opinião em temas controversos, eu diria que, em um raciocínio bem pragmático, podemos perfeitamente utilizar o que descobrimos um sobre o outro para benefício mútuo, de modo a evitar constrangimentos desnecessários em relações presenciais de trabalho. Ora, se nosso objetivo é desenvolver um projeto importante em comum, qual a utilidade de eu aborrecer o outro com uma implicância política fora da pauta, se eu já sei que determinados temas ou personagens o desagradam — ou mesmo o irritam? Em outras palavras, se bem usado, o Facebook não deixa de ser um instrumento interessante para contribuir nas relações de civilidade.
Além disso, há virtudes mais óbvias nessa transparência. Graças aos meus posts opinativos, por exemplo, já recebi indicações incríveis de livros, filmes e artigos que muitos sabem que são de meu interesse. Por causa da expressão de minhas opiniões, já fui apresentado a pessoas muito interessantes que, ora complementando, ora apontando as contradições, me ensinaram muito sobre os temas que me interesso.
Naturalmente, quando se fala de política em redes sociais, sempre há aqueles que discordam de seus posicionamentos com graus diferenciados de veemência e, educadamente ou não, interagem com o seu perfil e fazem questão de registrar suas réplicas no campo de comentários dos posts. Quando a publicação é aberta, sabemos que estamos à mercê do humor de amigos e desconhecidos. E os anônimos tendem a ser particularmente agressivos. Na maioria das vezes não ligo. Em algumas vezes, me divirto — de verdade — com a criatividade das ofensas. Quando aparece algum hater mais agressivo, conhecido ou não, raramente respondo. Se é conhecido, mas não é amigo, tendo apenas a deixar de seguir seu feed, esperando que o algoritmo deixe de mostrar meus posts a ele também, para que ambos continuemos a postar nossas opiniões em paz.
Contudo, aquele sujeito tóxico, antes tão simpático e educado, começou a revelar uma obsessão progressiva pelos meus posts. E assim, decidiu abandonar definitivamente a possibilidade de uma relação amistosa para iniciar uma escalada de implicâncias.
Não sei porque ele se deu a essas liberdades, pois não éramos propriamente amigos, mas meros conhecidos. Tratava-se de um contato mais profissional e acadêmico do que uma daquelas relações de amizade em que as pessoas se sentem à vontade para brincar de se xingar para rir um do outro. Mas aquelas incitações não eram divertidas. Os comentários eram arrogantes, tinham o claro objetivo de constranger e eram afrontosos em temas que escapavam aos assuntos que faziam parte do círculo de nossos interesses em comum.
E o pior: passaram a ser recorrentes e progressivos.
Assim, sempre que eu publicava algum comentário sobre temas sensíveis que me eram caros, sempre que eu expressava minhas esperanças ou minhas indignações, mas que destoavam de sua ideologia e de sua visão de mundo, ele fazia questão de expressar o seu escárnio. De minha parte, como sempre, optei por não retrucar ou buscar nos seus posts oportunidades para provocar de volta. Um pouco por preguiça e muito pela consciência de que não tenho tempo — nem estômago — para me dedicar a isso. A implicância era sempre unidirecional.
Mas aos poucos aquilo se tornou sistemático, à beira da obsessão.
A impressão era que a primeira coisa que ele fazia ao acessar o Facebook era visitar o meu perfil para conferir se havia alguma oportunidade de ser desagradável. E ele parecia mesmo atento, pois não perdia nenhuma chance. Era eu publicar um comentário e ele fazia questão de provocar ou debochar através da reação “Haha” — originalmente criada para expressar graça e bom humor; mas que, em um contexto, digamos, sem graça, se torna uma forma de ironizar e ridicularizar. Como a chacota do bullying.
“Leiam o artigo completo, por favor! É desses textos que podem inspirar uma mudança positiva nas atitudes políticas”, escrevi, certo dia. E aí vinha o recado: “Haha”.
“Amo a Marina Abramovic. A performance dela foi uma das obras de arte mais impactantes do século XX.” E em poucos segundos, o sarcasmo: “Haha”.
“Leiam este artigo! O marketing deste político é construído justamente para desviar a atenção de pioras objetivas na realidade.” E mais uma vez, o escárnio: “Haha”.
Como uma gota que pinga do chuveiro sem parar, aquele “Haha”, “Haha”, “Haha”, manifestação deliberada do menosprezo que ele fazia questão de expressar diante o que eu escrevia, começou a pingar nas principais reflexões que eu publicava em meu perfil pessoal, destoando das reações de colegas, amigos e alunos que interagiam com essas mesmas publicações.
Contudo, é claro, o “Haha” não aparecia nos meus posts bem-humorados, onde seria uma forma simpática e amistosa de interação. Mas era utilizado, única e exclusivamente de forma cáustica, como recurso de chacota. E aquele “Haha” passou a ridicularizar precisamente os posts pessoais em que eu expressava minhas preocupações, minhas reflexões e as opiniões que eu julgava importantes, para mim e para minha network, sobre arte e política.
Que chato isso, eu pensava.
Mas ao mesmo tempo, eu sabia que não tinha sentido me aborrecer por uma bobagem dessa. É apenas um sujeito me importunando com um sarcasmo. Seria muito melindre de minha parte me incomodar com uma gota de aborrecimento desta natureza. Ou melhor, com uma goteira…
Ao lado disso, todos os comentários do sujeito tóxico, cada vez mais recorrentes, passaram a ser irônicos, sarcásticos e, naturalmente, desagradáveis. Desapareceram as interações profissionais e as trocas de informações de interesse mútuo — que é o objetivo central de uma network. A tônica da relação online — que nesse momento já era unidirecional, pois eu simplesmente ignorava, respondendo por educação apenas quando era diretamente questionado — passou a ser a busca insistente por algum constrangimento. No lugar das interações produtivas, sobrou apenas o desacordo, o deboche e o empenho pela ridicularização. Sem me dar conta, aquele sujeito simpático do evento científico estava se tornando hostil, uma espécie embrionária de hater.
Já compus uma música e produzi um clipe para os meus haters. Brinco que é ótimo que eles interajam com meus vídeos no YouTube, pois isso ajuda na promoção de meu conteúdo. E minha autoestima é boa! Não me considero inseguro. E sempre me vigio para não parecer arrogante, apesar de, vez ou outra — na verdade, raramente — defender meus pontos de vista com mais intensidade. Ao lado dos meus princípios, me considero mais curioso do que necessariamente convicto do que quer que seja.
O deboche era público
Contudo, certo dia, em uma conversa informal com um grupo de estudantes nos corredores da universidade, uma aluna me chamou a atenção para um ponto em que eu ainda não havia percebido.
– Credo, professor! Quem é esse cara que fica rindo de você nos seus posts? — ela perguntou.
Caiu a ficha! Foi aí que percebi que o deboche estava sendo encenado em público. E confesso que foi aí também que decidi conferir o histórico de interações e percebi com mais clareza o padrão hostil. O sujeito se comportava como um daqueles garotos de pátio de escola que, todos os dias, sempre que tem a oportunidade de passar por você, aponta o dedo para a sua cara e zomba de algo que você acabou de dizer, na frente de seus colegas, a fim de comprometer a sua reputação diante de todos. Tudo isso sem que você sequer estivesse se referindo a ele.
E aprendi outra coisa também: interações em redes sociais são diferentes, mas análogas às interações pessoais. Muitos jamais teriam coragem de invadir uma conversa presencial para confrontar gratuitamente, ou para zombar na cara de um professor, de um colega ou de um contato profissional que, eventualmente, encontrassem em um evento social. Mas por algum motivo, alguns se sentem no direito de fazer exatamente isso nas redes sociais.
Parece que o hábito nos faz esquecer que comentários, curtidas e reações no Facebook são tão públicas quanto seria um outdoor na frente de sua escola, na entrada de seu bairro ou no estacionamento da empresa em que trabalha. Pois, apesar de virtual, os efeitos de socialização são equivalentes. Para o bem e para o mal. Ora, quem nunca se sentiu desconfortável com a família em festas de Natal por causa de brigas no ambiente virtual?
O reencontro
Pois bem. Como é comum em profissionais do mesmo campo, ocorreu de me encontrar novamente com essa pessoa tóxica em um evento. Naturalmente, não havíamos nos comunicado antes — até porque, francamente, seria um desprazer encontrá-lo. Imagino que o sentimento era recíproco. Suspeito que ele se sentia incomodado com os posts que eu publicava em meu perfil pessoal (apesar de não serem direcionados a ele) e se sentiu no direito de expressar a sua implicância, recorrentemente, tal como uma retaliação permanente, em vez de, por exemplo, ignorar ou deixar de seguir o feed. Mas enfim, eu só descobri que ele estava por perto através do aplicativo “amigos nas proximidades”, do Facebook.
Que ironia. E que lástima, pensei.
Quando nos vimos, era óbvio o constrangimento. Nos evitamos, é claro. Falamos o mínimo necessário pelas exigências do trabalho. Poucas palavras, na superfície da civilidade. Não houve confraternização, ao contrário da boa interação com os outros mesmos colegas que haviam participado do evento no ano anterior. E nos despedimos à distância, por obséquio, nos livrando da formalidade de ter que sacudir mãos e mentir socialmente a respeito do suposto prazer em rever um ao outro.
Naquele momento, caiu a última ficha: não havia nenhum sentido em mantê-lo na minha rede de contatos no Facebook. Não havia mais, de minha parte, qualquer afinidade e nem vontade de participar de qualquer projeto em comum. Interesses compartilhados não se transformam em parcerias criativas quando as relações de respeito e de confiança se desfazem. Não éramos sequer amigos: ou seja, não havia nenhuma necessidade de tolerar a menor das implicâncias em nome de alguma história de solidariedade em comum. Ninguém se aborrece com uma gota que cai no azulejo, eu insistia para mim mesmo. Mas uma goteira recorrente exige que a torneira seja fechada, nem que seja por economia de recursos.
Se até uma piada contada várias vezes se torna insuportável, o que dirá uma implicância.
Concluí que parte importante da responsabilidade em criar um ambiente digital estimulante, criativo e prazeroso é nossa — e apenas nossa. Debates, divergências e antagonismos são indispensáveis. Mas não há nenhum sentido em manter na network pessoas que não inspiram confiança e que gotejam antipatia.
E foi assim que aprendi que o melhor a se fazer é bloquear contatos tóxicos em nossa network. Por polidez, somos levados a supor que é nosso dever suportar implicâncias recorrentes de desconhecidos que, por algum acidente, integraram a nossa rede de conhecidos no Facebook. Fomos acostumados a imaginar que admitir relações desagradáveis nas redes sociais é uma fatalidade. Como se não tivéssemos escolhas. Como se fosse inevitável conviver no ambiente online com gente que, na vida real, você prefere, educadamente, manter distância.
É uma beleza se conscientizar que essa neurose possui uma solução simples, que custa um clique: bloquear. E com isso, é um pequeno alívio perceber que aqueles pequenos aborrecimentos simplesmente desaparecem e que, por isso, tendem a ser brevemente esquecidos.
Uma network saudável não apenas permite, mas exige escolhas. Desconfio que essa consciência pode contribuir muito para tornar a nossa rede social um ambiente mais prazeroso, criativo e produtivo.
Ps. Esta é a música que compus para os haters em meu canal no YouTube! :)
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