Bolsonaro e a máscara da polidez

Desilusão com a política corrompeu a viabilidade da palavra

Andre Azevedo da Fonseca
2 min readJan 28, 2021

Imagine uma questão de vestibular de 2030:

  1. Ao ser interpelado sobre os valores gastos pelo governo federal com alimentos, o presidente da república respondeu (marque a alternativa correta):

a) “Agradeço à imprensa e ao congresso pelo empenho incansável na fiscalização da correta utilização dos recursos públicos no nosso país. Já determinei que os órgãos competentes realizem uma rigorosa auditoria para investigar todos os contratos de aquisição de alimentos para que nosso governo possa corrigir distorções, investigar eventuais irregularidades e prestar contas à população.”

b) “Quando vejo a imprensa me atacar, dizendo que comprei dois milhões e meio de latas de leite condensado, vai para puta que o pariu. Imprensa de merda essa daí. É para enfiar no rabo de vocês aí”.

É assustador.

O Brasil sempre sofreu com políticos que falavam bonito, mas roubavam às escondidas. Por isso, a palavra foi desvalorizada. Qualquer compromisso é visto como mera demagogia. E pior, discursos bem articulados passaram a despertar desconfiança. Bolsonaro se popularizou diante essa desilusão. Aos olhos do seu público, suas falas grosseiras e mal articuladas são vistas como um indício de autenticidade. O grotesco é travestido de virtude. A estupidez é confundida com franqueza.

Mas Bolsonaro é tão demagogo quanto qualquer outro antes dele. Ora, basta conferir as três décadas na Câmara Federal. Seu único projeto sempre foi a reeleição. Não há nenhum legado. Nepotista clássico, ele acomodou cada um dos filhos na política, sem que qualquer um deles tenha se destacado na proposição de projetos para o país. Apenas uma retórica horrenda, mal articulada e preconceituosa.

Os discursos hediondos da família Bolsonaro servem como uma máscara para ocultar os mesmos vícios corruptos que os discursos bonitos ocultavam. Mas sob o custo da absoluta destruição da civilidade e da possibilidade de raciocínio por meio do diálogo. Ora, o esquema de corrupção de Flávio Bolsonaro, revelado na investigação do Ministério Público, é o modus operandi da família que sempre se aproveitou dos cargos políticos para enriquecer.

Por isso, o caso do leite moça é paradigmático: em vez de exigir explicações, seus seguidores se divertem com o grotesco. A estupidez, fingindo franqueza, ofusca a prestação de contas. Em vez de se esconder sob palavras bonitas, a corrupção se esconde sob o palavrão. Uma truculência covarde típica da mentalidade autoritária. A antipolítica bolsonarista joga fora as qualidades da política para manter os seus piores defeitos.

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Andre Azevedo da Fonseca

Professor e pesquisador no Centro de Educação Comunicação e Artes (CECA) da Universidade Estadual de Londrina (UEL).